quarta-feira, 31 de março de 2021

Segredos de Liquidificador

Segredos de Liquidificador (link)
Dino Machado
Brasil, 2021
criado para a #jam_64nuncamais

Criei esses dois jogos larps [NE: A Vida dos Outros e Segredos de Liquidificador] para a #JAM_64NUNCAMAIS promovida pela editora coisinhaverde para não esquecer a ditadura civil-militar (1964 - ????)
 
Esses jogos podem se passar durante a mencionada ditadura, caso o grupo de jogadores esteja familiarizado com o período e se sinta a vontade para viver esses enredos ali... ou ainda, na próxima ditadura, situada aqui, para fins poéticos e dramáticos, no ano de 1964 2048.
 
Para ter ambas as experiências, eu recomendo que se jogue A VIDA DOS OUTROS nos anos 1970, após o AI5 (ou mesmo em 1968, como desdobramento direto do ATO)  e SEGREDOS DE LIQUIDIFICADOR em 2048. Se os jogadores não se sentirem a vontade para brincar com o contexto real do Brasil nos anos de chumbo, recomendo que experimentem a liberdade criativa de jogar em 2048 (uma boa pedida pode ser evitar dar detalhes demais sobre o contexto e se concentrar em ações e relações).

SEGREDOS DE LIQUIDIFICADOR

EM UM INTERROGATÓRIO QUE SE ARRASTA POR DIAS, TALVEZ SEMANAS OU ATÉ MESES, A ÚNICA PESSOA QUE O PRISIONEIRO EXAUSTO VÊ É SEU ALGOZ. AO MESMO TEMPO, DEPOIS DE ARREBENTAR AS PORTAS DE SUA MENTE E PENETRAR À FORÇA A INTIMIDADE DE SEU PRISIONEIRO, O INTERROGADOR NÃO DESEJA ESTAR COM MAIS NINGUÉM.



Este é um larp para 2 pessoas. Em grupos maiores, pode-se também fazer diversas duplas, seja formando uma plateia, seja jogando simultaneamente ou mesmo alternando os pares.
Pode ser jogado em qualquer lugar, mas recomenda-se que seja jogado pela dupla num lugar fechado, o mais vazio possível.
As duplas representarão os papéis de um PRISIONEIRO do regime e seu algoz, um OFICIAL de alta patente e de absoluta confiança do alto comando militar.

Para começar,
Ambos os jogadores devem criar seus personagens juntos. Não preencham todos os detalhes antes do jogo começar, deixem que o diálogo entre os personagens vá estabelecendo quais são as verdades (ou não) sobre eles. Por ser uma situação de tensão e segredo entre apenas duas pessoas com um imenso desequilíbrio de poder entre elas é muito possível que algumas verdades nunca venham a tona - ou melhor, que mal se possa determinar uma verdade.

perceba, mesmo que o jogo se passe entre os anos 1960 e 1980, tanto o PRISIONEIRO quanto o OFICIAL podem ser de qualquer gênero. Eu não conheço relatos de uma mulher que tenha agido como torturadora ou mesmo como carcereira durante a ditadura civil-militar brasileira... mas isso não deve ser motivo para inibir uma participante caso ela queira desempenhar esse papel neste enredo. Da mesma maneira, sugere-se fortemente que não se recorra "ao automático" quanto às perspectivas mais convencionais de gênero no que diz respeito à relação entre ambos os personagens. Ambos podem ser homens, ambos podem ser mulheres e qualquer um deles pode ser tanto homem como mulher - ou seja lá como esse personagem de identifique e seja identificado pelo outro. Se os participantes acharem interessante, conversem sobre isso.

PARA DECIDIREM JUNTOS


Sobre o PRISIONEIRO, quem é essa pessoa? Por que ela foi presa e em quais circunstâncias? O que o OFICIAL pretende descobrir dela? Porque ele presume que ela tenha essas informações?

> as conversas começarão a partir desses temas, por isso é importante tê-lo razoavelmente definido entre ambos os participantes.

Sobre o OFICIAL, qual é o temperamento e personalidade? Como é o comportamento dele enquanto estão juntos? É uma pessoa publicamente conhecida? Ela e o PRISIONEIRO já haviam se encontrado antes?

Sobre o CATIVEIRO, ele é um prédio oficial do Governo? O Porão de um deles? Ou é uma casa particular? Está em um ambiente urbano ou rural? O PRISIONEIRO sabe se há vigias ou se está preso sozinho? As visitas acontecem sempre no mesmo horário ou variam? Lembrem-se: ninguém além do OFICIAL tem contato com o PRISIONEIRO.

Os jogadores não devem representar o início do período de cativeiro. O larp começa quando as primeiras sessões de tortura já esgotaram as possibilidades de obter informações meramente pela força - bem como de resistir àsinvestidas através da violência.

O PRISIONEIRO


Você está preso há muitos dias, talvez semanas, quem sabe meses. Nesse tempo todo você só viu uma pessoa: seu algoz. É ele quem lhe traz comida, água e que provê o que quer que seja que você tenha tido acesso nesse tempo. Nem mesmo animais você viu nesse período. Nem mesmo um rato. Talvez uma mosca, uma barata.

Seu algoz é o mais parecido com outro ser humano que você tem hoje. Você não tem qualquer perspectiva de sair daí e já começa a delirar. Aos poucos, você vai esquecendo da sua vida antes do cativeiro - e a única forma de se ligar novamente a ela é... contando-a ao seu agressor.

Ele lhe fará perguntas sobre sua família, sobre seus amigos, seus companheiros de luta, sua vida profissional, íntima, secreta... Você irá responder. Você não quer prejudicar ninguém, mas o único recurso que você tem é falar mais, falar outras coisas, coisas que não levarão seu algoz onde quer, mas que te levarão, de alguma forma, ao encontro do que você perdeu.

O OFICIAL


Você não queria estar nesse lugar, mas sabe a importância dele. Você está aí para servir e proteger. E é isso que você está fazendo. Mas não te dá prazer nenhum ser uma pessoa violenta. Você sabe ser violento, é claro. Mas isso não te dá prazer. É o seu trabalho. Também não te dá desprazer nenhum. Um açougueiro tem que cortar o boi, e um dentista tem que arrancar os dentes. Cada profissão tem suas dificuldades que aos outros podem parecer repulsivas. Você não se alegra, mas não tem repulsa. Faz o seu trabalho e faz bem.

Mas você já não sabe bem o que fazer com seu prisioneiro. Ele não quer colaborar. E ao mesmo tempo, é um ser humano. Mesmo que você o torça como um trapo, além de sangue, escorrem pelo corpo dele lágrimas, angústias, amores e até mesmo, quando muito, uma alegria. 

Você se pergunta, hoje, se não seria mais fácil extrair o que precisa saber por uma abordagem diferente. O prisioneiro não pode sair. Você pode negociar com ele notícias sobre o lado de fora?

Talvez ele queira atenção. Mandar uma mensagem para alguém. Você acredita que talvez possa amolecê-lo. Na verdade, você já se afeiçoou a ele. É possível que quem tenha amolecido tenha sido você. Pelo menos ali, no cativeiro, onde só há você e ele e ninguém para ser testemunha. O mundo lá fora já é muito bruto e lhe cobra embrutecimento o tempo todo. Dentro dessa sala você talvez tenha descoberto algum espaço para a sensibilidade.

CAPÍTULOS


Segredos de liquidificador é estruturado em Capítulos. É possível resolver o jogo em um único capítulo de 15 minutos, ou de 2 horas, assim como é possível estender por um número qualquer de capítulos com qualquer duração.

Cada Capítulo é uma visita do OFICIAL ao cativeiro onde está sendo mantido o PRISIONEIRO. Antes do Capítulo começar, os jogadores devem estabelecer (capítulo-a-capítulo) juntos e de comum acordo qual é o estado do prisioneiro. Por exemplo, se o jogador que atua como o OFICIAL desejar que o prisioneiro esteja sentado numa cadeira com as mãos amarradas nas costas, o jogador que atua como o PRISIONEIRO pode muito bem dizer que não se sente a vontade nesse posição, e ambos precisarão procurar uma alternativa para isso na narrativa. O limite é sempre o não do outro

Por esse motivo, representação de TORTURA não pode ser desempenhada pelos jogadores quando estiverem representando fisicamente seus personagens. Mas um capítulo pode sempre começar logo depois de uma sessão de tortura ou terminar antes de uma - desde que ambos os jogadores estejam de acordo.


O jogo termina quando o OFICIAL descobre a informação que quer ou convence-se que o PRISIONEIRO não a tem - ou não será possível obtê-la. Depois do Capítulo em que isso acontecer, deverá haver um EPÍLOGO: o Oficial visita o PRISIONEIRO pela última vez para lhe contar o seu destino (será solto? executado? permanecerá preso?).

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