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domingo, 5 de janeiro de 2014

Feitos pra “sangrar”, comentário de Goshai Daian


"Os larps nórdicos buscam se distinguir dos americanos, entre outras coisas, por uma visão artística: o larp como “algo mais que entretenimento”, algo capaz de mexer com seus jogadores. E uma maneira de fazer isso é administrar o que eles chamaram de bleed - a transferência entre emoções e pensamentos do jogador para o personagem e vice-versa. Às vezes esse é o objetivo do jogo. E tem um tipo de jogo que foca exatamente nisso."

Leia o comentário completo de Goshai Daian, no blog RPG a La Carte.

Em 8 de maio de 2024, descobri que o link original para a postagem havia caído. Entrei em contato com o autor do artigo, Goshai Daian,e ele conseguiu recuperar o blog antigo para um novo endereço. Mirando a preservação do texto por mais tempo, reproduzimos abaixo em sua integridade. O link quebrado foi também corrigido nesa mesma data. — Falcão

Feitos para Sangrar


Contribuição à uma enquete do Larp Brasil 

Os larps nórdicos buscam se distinguir dos americanos, entre outras coisas, por uma visão artística: o larp como “algo mais que entretenimento”, algo capaz de mexer com seus jogadores. E uma maneira de fazer isso é administrar o que eles chamaram de bleed - a transferência entre emoções e pensamentos do jogador para o personagem e vice-versa. Às vezes esse é o objetivo do jogo. E tem um tipo de jogo que foca exatamente nisso. São os Poemas de Encenação (Role-Playing Poems).

Por Goshai Daian 

UM CASO DE BLEED 


Se me perguntarem eu digo que um poema de encenação é um rpg livre e conciso “feito para sangrar”. É um RPG em que as regras não existem para resolver as coisas na ficção, mas para estabelecer e regular uma cena.

O que uma cena contém e o que é uma boa cena depende, afinal, do que as pessoas querem fazer com aquela cena. Eu, particularmente, prefiro os P.E.s que conseguem criar uma tensão dramática. E isso tem a ver com a tal da transferência.

(Por esse critério, eu consideraria alguns jogos como Um Orc no Poço, Noir e Saga como rpgs livres que podem ou não ser encenados como poemas).


Minhas Queridinhas” (Good Night Darlings), de Mattjis Holter, é muito eficiente e versátil nesse quesito. Um dos participantes assume o papel de um Criador que deve matar suas amadas Criaturas. Há um tempo determinado para a cena e todas as Criaturas serão mortas pelo Criador ao final dela. Os jogadores estão ali para descobrir “como”. O poema condiciona os seus encenadores a jogar com os sentimentos do Criador. Na maioria das vezes eles vão buscar comovê-lo para alcançar uma morte digna, mas isso não é uma regra. Pode-se jogar exatamente ao contrário: “Quero deixar PUTO esse meu Criador! Quero ver até onde vai o sadismo desse canalha!”

O jogo é eficiente e versátil porque permite aos jogadores se envolverem de infinitas maneiras a partir de uma proposta simples: encarar a morte pelas mãos de alguém com quem se tem alguma ligação. E isso tem pouco a ver com “sangramento” na minha opinião. Isso porque pressupõe que existe um jogador por baixo do personagem e que é preciso atingir um ponto X para romper a pele e expor o que está ali embaixo.

O termo pegou, mas não faz juz ao conceito. Luiz Falcão, do NpLarp, sugeriu “vazar”, mas eu acho que acaba caindo mais ou menos no mesmo problema. Eu ficaria com a sugestão do Rafael Rocha, do Narrativa da Imaginação, que sugeriu “eco”. Mas nenhuma exclui a outra - tem um monte de contextos em que caberia dizer “sangrar” também. Vale tudo porque o lance não é se apegar numa definição e sim começar a falar do assunto.

P.E.s PARA PRATICAR O DESIGN DE CENAS


Evidente que um poema de encenação bem feito é um jogo completo em si mesmo. Por outro lado em vários momentos, no larp ou no rpg, nos deparamos com um momento onde os dados vão embora e deixam de ser necessários. Nesses momentos um RPG tradicional vira freeform e o GM se quiser fica só olhando, porque a história está girando sozinha naquele momento.

P.E.s podem ser um exercício pra isso também.

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